(Fonte da imagem: Divulgação/Rocksteady)
Já perdi a conta de quantas vezes as pessoas reclamaram para mim
sobre a nota dada em uma análise. É algo natural, já que testar um jogo
envolve tanto critérios técnicos quanto subjetivos, o que faz com que um
título seja uma bomba para mim, mas absurdamente bom para outra pessoa.
É impossível — e nada saudável — padronizar as opiniões, embora muita
gente procure impor seu ponto de visto sobre os demais.
E foi no meio de uma dessas discussões que alguém usou um dos
argumentos mais estranhos quando falamos em jornalismo de games: “Se não
gostou, faça melhor”. Ok, minha função é escrever e não desenvolver
jogos, então a crítica não chega a ter muito fundamento. No entanto,
mesmo assim, ela me deixou um pouco incomodado. Afinal, o que eu
realmente sei sobre um jogo ser bom ou ruim?
Por que tenho vontade de me jogar da janela quando encontro um
chorume em forma de jogo na minha mesa, mas dou um mortal de costas de
alegria ao ver que vou testar o novo Grand Theft Auto? O que diferencia
uma produção de outra a ponto de termos reações tão opostas?
É claro que a resposta não é simples — nunca é — e envolve uma série
de fatores, incluindo alguns bem subjetivos, como repertório e até mesmo
a empatia com aquele universo e seus personagens. No entanto, até mesmo
esses aspectos pessoais se baseiam em pontos técnicos e criativos que
se originam no processo de pré-produção de um game. Nada está lá por
acaso, assim como as suas reações — positivas e negativas — nunca
acontecem sem querer.
E é a partir dessa constatação que começamos nossa jornada em busca do jogo perfeito.
Uma boa ideia
Para começo de conversa, um bom jogo nasce de uma boa ideia. Parece
simples, mas nem sempre vemos os estúdios usando esse princípio básico
na hora de lançar um novo game. Quantos jogos cuja proposta e os
argumentos são tão fracos que fizeram você se questionar como alguém
aprovou aquilo?
(Fonte da imagem: Divulgação/SEGA)
E não estamos falando apenas do ouriço lobisomem de Sonic Unleashed,
mas de falta de criatividade mesmo. Explorar o mesmo clichê é um dos
erros mais adorados pelos estúdios, que parecem não se cansar de fazer
FPS sobre a Segunda Guerra ou de God of War genéricos. Para onde foi
toda a imaginação?
O fato é que todo mundo quer criar algo grandioso e épico, mas se
esquece de fazer o básico. Boas ideias não precisam ser megalomaníacas e
nem contar grandes histórias. Na verdade, nem precisa ter uma narrativa
superestruturada para cativar o jogador. Por mais que Final Fantasy VII
tenha se tornado um clássico por conta de seu enredo, Angry Birds virou
um fenômeno sem usar uma linha de diálogo.
Esse é o máximo de história que Angry Birds oferece (Fonte da imagem: Divulgação/Rovio)
Draw Something é um ótimo exemplo de como uma boa ideia consegue se
sustentar tanto quanto uma ótima história. Desenvolvido para smartphones
e tablets, ele se baseia apenas em desenhos e em enviar sua obra de
arte para seus amigos. Algo extremamente simples, mas que vendeu mais do
que muito blockbuster por aí.
O importante é você — ou o desenvolvedor, no caso — saber o que quer
na hora de criar um jogo, pois é a partir disso que todo o restante vai
se sustentar. Uma proposta criativa pode fazer com que algo simples se
torne genial e divertido, desbancando qualquer outro projeto que explore
velhos clichês.
Uma pitada de inovação
Ok, sabemos que não é fácil criar algo inédito após a indústria ter
explorado praticamente todos os formatos nessas últimas décadas. No
entanto, isso não o impede de ser criativo e trazer algo novo. Ninguém
mais aguenta ver a mesma fórmula ser repetida dezenas de vezes sem nada a
acrescentar.
E não estamos dizendo que é preciso revolucionar o mercado. Por mais
que medidas assim realmente sejam necessárias, um bom jogo consegue
trazer a inovação exigida até mesmo em um gênero explorado à exaustão.
Não é preciso reinventar a roda, apenas uma maneira de fazer com que ela
gire de uma maneira diferente e melhor.
(Fonte da imagem: Divulgação/Media Molecule)
Por mais que você não seja fã de LittleBigPlanet, por exemplo, é
impossível negar a forma como que os Sackboys alteraram o modo com que
lidamos com um jogo de plataforma. Além de adicionar novas dimensões à
exploração das fases, o game ainda trouxe diversos elementos de
personalização que ninguém usava até então.
Isso significa que a concorrência não deve ser “copiada”? Se algo deu
certo para o jogo do vizinho, não há razão para não fazer o mesmo em
seu título. O problema acontece quando as coisas param por aí e o
estúdio não se preocupa em ir além. Quem compra um game quer uma
experiência nova e não algo reciclado de outra franquia ou de um
antecessor. O comodismo é uma das principais armadilhas — algo que a
série Pro Evolution Soccer descobriu da pior forma possível.
Por mais que estejamos falando de uma franquia de sucesso, como o
próprio PES, ela não vai conseguir se sustentar ao repetir o mesmo
conteúdo já visto anteriormente. Isso significa que a cartilha deve ser
posta de lado para que o desenvolvedor olhe de verdade para o que é
possível melhorar.
(Fonte da imagem: Divulgação/Electronic Arts)
Como dito, não basta reinventar tudo, apenas chegar a uma solução que
ninguém fez ainda. Ainda falando em futebol, a Electronic Arts percebeu
que a concorrência ainda usava um modelo muito arcade em seus jogos e
tentou trazer algo mais realista, chegando ao motor gráfico que recriava
os impactos de FIFA 12 e à consequente liderança em seu segmento.
Outro ponto está no famigerado apelo visual. Não basta simplesmente
adicionar um novo filtro, melhorar a modelagem e as texturas se o jogo é
bonitinho, mas ordinário. Peter Molyneux, criador da popular franquia
Fable, é um dos principais defensores de que a inovação é a chave para o
sucesso de um game. Segundo ele, não se trata apenas de levar um
console ao limite, uma vez que se deve oferecer algo novo. Por que vou
me interessar neste game quando há tantos outros iguais a ele? É
exatamente esse diferencial que vai envolver o jogador, explorando
exatamente aquilo que há de único.
Criando a alma do jogo
Eis que chegamos a um dos pontos mais importantes de um jogo: sua
alma. Afinal, como você se relaciona com o game? É só um apertar de
botões ou você tem total liberdade para fazer o que quiser? E essa
liberdade, ela realmente tem uma utilidade ou está ali apenas para
deixá-lo encantado com o tamanho do cenário?
Conforme já discutimos em outros artigos, a jogabilidade não é apenas
a forma com que você usa o controle. Por mais que essa mecânica e a
acessibilidade sejam igualmente importantes, o que vai sustentar o
título é a maneira como aquele universo se apresenta para o jogador e as
regras que regem aquele pequeno mundo.
(Fonte da imagem: Divulgação/Bethesda)
Ao colocar um game em um console, automaticamente nos projetamos no
personagem. Enquanto estiver com o controle na mão, não é mais a pessoa
quem está ali, mas Nathan Drake, Marcus Fenix ou John Marston. E, por
isso, ela não quer apenas seguir em frente, mas sentir que faz parte de
tudo aquilo.
É exatamente por isso que jogos como The Elder Scrolls V: Skyrim e
Grand Theft Auto são tão viciantes, pois eles realmente dão a liberdade
para que a pessoa seja o que ela quiser e da maneira que desejar. Quer
ser o cara certinho que cumpre todas as regras? Tudo bem, mas também há a
possibilidade para que você seja aquele cretino que não está aí para
nada e só quer ver o circo pegar fogo.
Isso não faz, entretanto, que a liberdade seja sinônimo de um ótimo
gameplay. Às vezes, o mundo aberto pode ser apenas uma fachada para uma
estrutura engessada e pouco criativa, como em Mercenaries 2: World in
Flames.
(Fonte da imagem: Divulgação/Nintendo)
Paralelamente a isso, temos títulos com fórmulas um pouco mais
fechadas, mas que são aulas de como a jogabilidade deve ser. A Nintendo é
a maior prova disso, uma vez que consegue oferecer sempre uma
experiência única a cada novo Super Mario lançado. Mesmo sendo uma
aventura em plataforma, a maneira com que você interage com cada um dos
elementos do cenário e da própria mecânica é fantástica. Nada está ali
por acaso e tudo possui uma utilidade prática.
Por que devo continuar?
Eis que chegamos ao ponto que realmente interessa: o que faz um jogo
ser bom? A jogabilidade impecável? A proposta diferenciada? Ou, quem
sabe, o fato de ele ser totalmente diferente daquilo que vimos até
então?
Qualquer que tenha sido sua resposta, o fato é que você errou. Por
mais que esses pontos realmente sejam vitais para a construção de um
ótimo game, nada disso funciona isoladamente. Todas essas
características precisam estar em harmonia para que você fique preso em
frente à TV, sem querer parar. Quem nunca se deparou com um game
viciante?
(Fonte da imagem: Divulgação/Blizzard)
A partir de tudo o que foi construído até agora, a desenvolvedora
deve encontrar uma maneira de fazer a pessoa a comprar a ideia e a
querer continuar com ela por mais tempo. Trata-se de incentivar o
jogador a ir um pouco mais além.
A Blizzard, por exemplo, é mestre nisso, pois consegue oferecer a
sensação de evolução constante em seus jogos. A série Diablo segue
exatamente essa linha: ainda que sua estrutura seja bem repetitiva, a
progressão do personagem é constante e você não sente vontade de parar
enquanto não obter o que há de melhor. É uma provocação ao seu lado
competitivo e consumista, mas que funciona muito bem.
É de maneira muito semelhante a essa que empresas como Zynga, PopCap e
outras especializadas em games para dispositivos móveis ou Free to Play
estão apostando. Isso porque essa busca por exclusividade ou melhores
resultados também pode ser convertido em alguns dólares a mais graças ao
serviço de microtransações.
Cuidado que vem de casa
É claro que, na teoria, tudo isso é muito bonito e funciona
perfeitamente. Mas e na prática? Você pode ter pensado em todos os
detalhes de seu jogo, mas é impossível saber se o jogador realmente vai
pensar da mesma forma. Isso sem falar da possibilidade de algum problema
técnico mais grave passar despercebido por todo mundo e só estourar
quando chegar às mãos do consumidor.
(Fonte da imagem: Divulgação/Capcom)
É por isso que o processo de testes é tão importante. O curioso é que
a maioria de nós, jogadores, nunca dá o devido valor a essa etapa de
produção, lembrando-se dela somente quando algo dá errado ou quando
aquela Beta tão aguardada é liberada.
Esses testes finais servem exatamente para saber se tudo está em
ordem e evitar que problemas desnecessários ocorram. No caso de Resident
Evil: Operation Raccoon City, por exemplo, a quantidade de falhas
envolvendo a inteligência artificial, câmera e até mesmo as mecânicas
básicas mostram que faltou um pouco de empenho da Capcom de verificar se
o desempenho estava como prometido. Um simples teste um pouco antes do
lançamento já mostraria que ainda tinha coisa para resolver.
É por isso que as demonstrações e Betas são tão importantes. Mais do
que servir como uma prévia para o jogador conferir o conteúdo, eles
permitem que as produtoras tenham uma visão externa de seu trabalho,
gerando críticas que vão ajudar a corrigir qualquer problema encontrado.
O próprio Keiji Inafune adiou o lançamento de Soul Sacrifice para usar
as impressões do público da Tokyo Game Show para aprimorar seu trabalho.
Fórmula do sucesso?
Isso significa que há uma fórmula para que um jogo seja bom? Pode-se
dizer que sim, embora o “passo a passo” não seja segredo para ninguém. O
problema é que nem todas as empresas conseguem aliar todos esses pontos
de uma só vez, o que acaba criando algumas situações que fogem do
esperado.
Isso também não significa que todos os games são construídos e
aproveitados a partir dessa mesma estrutura. Como dito, há questões
subjetivas envolvidas que podem fazer com que você se interesse por
algo, mesmo ele não sendo a melhor coisa do mundo. Não há problema
nisso, exceto quando você tenta impor sua opinião sobre a dos demais.
É por isso que o mais importante em um jogo é exatamente sua
diversão. Ele conseguiu entretê-lo e fez valer o valor pago e o tempo
investido? Se a resposta for positivo, então sorria, pegue o controle e
vá ser feliz.
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