Pelo menos desde o século XV, propagandistas ligados ao Estado e à
iniciativa privada têm usado o termo “pirataria” para referir-se de
forma negativa ao confisco e à revenda da propriedade privada. Mais
recentemente, o uso desse termo foi ampliado para englobar a reprodução e
distribuição não autorizada de bens não-materiais, independentemente de
os “piratas” serem motivados por dinheiro ou não. A campanha contra a
“pirataria” online tem sido muito bem-sucedida. Porém o entendimento
público leva raramente em consideração a ameaça ao conhecimento e à
criatividade, representada pela reserva do patrimônio comum de
conhecimentos nas mãos de algumas poucas empresas privadas
multinacionais. Em nossa definição de “pirataria”, começaremos traçando
um histórico de cunho popular e legal do termo, desde os piratas do mar,
que, como pragas, saíam pelo mar vendendo mercadorias até os “piratas”
digitais de hoje, que se ocupam da multiplicação, distribuição ou uso
não autorizado de materiais patenteados ou com direitos autorais.
Discutiremos o uso atual do termo no mercado como uma ferramenta-chave
nas tentativas de se considerar como crime o livre intercâmbio de
informações. Daremos enfoque principalmente ao conceito de “pirataria”
conforme é usado em discussões sobre materiais audiovisuais, software e
outras formas de informação em meio digital. No entanto, desejamos
enfatizar desde o início as conexões entre a luta para se considerar
crime a violação da “propriedade intelec-tual” na arena do conteúdo
digital e as lutas relacionadas que ocorrem em outros setores. A
expansão mundial do regime de “propriedade intelectual” (especialmente
no que diz respeito a patentes) exerce um forte impacto sobre o acesso a
medicamentos essenciais, biotecnologia, agricultura, conhecimento
científico e assim por diante. Por fim, concluiremos destacando algumas
estruturas alternativas e formas de luta para salvaguardar o valor
social do conhecimento.
História do conceito
O termo “pirataria” em sua concepção moderna surgiu no século XV [1].
Era aplicado principalmente a indivíduos apátridas, que tomavam posse
de mercadorias transportadas em alto mar pelo Estado ou por companhias
por ele garantidas. Embora possa parecer que o uso atual do termo é
suficientemente distinto para garantir sua completa separação do sentido
marítimo, há diversas nuances desse uso mais antigo que permanecem
relevantes ainda hoje. O conceito mais antigo de pirataria marítima foi
em parte um constructo desenvolvido e promovido por poderosas empresas
privadas, que procuraram a proteção jurídica do Estado para legitimar
seus próprios interesses materiais e monopólios comerciais [2]. Sendo
assim, mesmo no auge dos saques em alto mar, o uso do termo dependia
inteiramente do ponto de vista [3].
Por exemplo, um importante ponto a
ser considerado era a distinção jurídica feita pelos britânicos entre os
“corsários”, que eram os transportadores ou indivíduos reconhecidos ou
financiados por um ou outro país europeu, e os “piratas”, que eram
apátridas. O conceito de pirataria estava de tal forma embutido na
assunção de um direito ao domínio comercial que os navios europeus
freqüentemente consideravam legítimo seu próprio caráter predatório
sobre os mercadores locais. Em outras palavras, a única diferença entre
“pirata” e “corsário” era que o último possuía uma carta do governo que
lhe dava o direito de saquear.
Hoje, a batalha contra a “pirataria” ocorre no domínio do
conhecimento transformado em bem e a lei e a retórica do uso,
distribuição e produção ilegítima de bens gira em torno de políticas
cada vez mais protecionistas que governam bens intangíveis, como marcas,
patentes e direitos autorais. Os antecedentes dessas políticas estão
nos séculos XVI e XVII, quando as leis dos venezianos e ingleses
concediam monopólios de impressão a editores específicos e estabeleciam o
controle do Estado de direito (por ex. a censura). No século XIX, o
termo “pirataria” foi muito aplicado aos editores que faziam cópias de
livros para vender, sem a permissão do autor ou o pagamento de royalties.
Muitos dos debates desse tempo ficavam em torno da reprodução não
autorizada de obras em outros países, cuja legislação local não tinha
jurisdição.
Via: Resumo tirado do site vecam.org
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